No dia 14 de abril de 2016, há exatos 104 anos do início do naufrágio do Titanic, o canal da Titanic: Honor and Glory incluiu em sua lista de vídeos um filme no mínimo interessante: o afundamento do Titanic em tempo real - e com informações (em inglês) do que ocorreu ao decorrer do naufrágio.
O projeto Titanic: Honor and Glory foi lançado em novembro de 2012 e consiste em um jogo para computador, na plataforma da Unreal Engine 4. O jogo ainda está em desenvolvimento, mas promete ser o mais fiel e real game relacionado ao Titanic que já existiu.
Enquanto o jogo em si não é lançado, vários vídeos e imagens são postados nas redes sociais do projeto para poder divulgar o jogo e a história do Titanic. Após um período longe das atividades, neste dia 14 de abril os responsáveis pelo projeto postaram no YouTube um vídeo de 2 horas e 40 minutos, na qual todo o naufrágio do Titanic é mostrado e narrado por legendas em tempo real. O vídeo - somente em inglês - passou das 150 mil visualizações em menos de dois dias.
O filme "Titanic", dirigido por James Cameron e estreado nos cinemas americanos em Dezembro de 1997 é com certeza um dos maiores sucessos do cinema e o responsável por grande parte do interesse que existe ainda hoje na história do navio.
Embora o filme se centre mais na parte fictícia da história, os detalhes que usaram para reproduzir navio são de uma qualidade que nenhum outro filme anterior (e posterior) a ele conseguiu chegar perto; porém nem tudo condiz com a realidade. Nesse post veremos quais foram os erros do filme em relação ao Titanic.
1. Construções no porto
Nessa cena do filme Titanic, o hotel South Western House é visto ao fundo do porto,
do lado bombordo de onde o Titanic está ancorado. Construções como essa e o bar onde Jack
venceu o jogo de pôquer nunca poderiam ter existido neste local.
Logo no começo da história de volta a 1912, a primeira cena mostrada é a do embarque de passageiros no porto de Southampton, Inglaterra. Um desses passageiros é a Rose, que junto com sua família e empregados embarcam no navio. Durante a ida deles do porto até o navio, é possível ver ao fundo construções, cuja uma delas remete ao South Western House, um hotel onde vários passageiros da primeira classe e oficiais do Titanic se hospedaram até o dia da partida (incluindo o capitão E.J. Smith). O erro é que o hotel não ficava ali, mas na direção traseira de onde o Titanic estava ancorado; na realidade não existia qualquer construção daquele tipo daquele lado do porto, apenas pequenos edifícios que faziam parte do complexo portuário.
Outro prédio que aparece na mesma direção é o bar onde Jack ganhou a partida de pôquer e o bilhete de embarque para o transatlântico. Esse bar nunca poderia ter existido ali, assim como o hotel, pois naquele local só havia obras que faziam parte das docas (que por sinal não eram tão largas a ponto de conseguirem abrigar construções como essas a uma distância tão grande do mar). É possível notar isso vendo uma fotografia aérea do porto:
2. O clássico Renault
De fato, uma das mais belas cargas que o Titanic carregava em seus porões era o clássico Renault Coupé de Ville, de propriedade de William Ernest Carter, um passageiro da primeira classe.
Porém, em uma das primeiras cenas do filme é mostrado este carro (recriado especialmente para as gravações) sendo içado ao navio no mesmo momento em que os passageiros embarcam - o que não foi o que aconteceu.
Parte da primeira cena em 1912 no filme mostra o famoso carro sendo posto no navio junto
com os passageiros - na realidade, o veículo já estava junto com as cargas 6 dias antes.
O automóvel só foi colocado no interior do Titanic 6 dias antes do dia da viagem, ou seja, no dia 4 de abril. Outro ponto interessante é que não se sabe ao certo se o carro estava desmontado ou montado dentro dos porões. O manifesto de carga do Titanic indica o automóvel como "1 CS AUTO" (1 caixa de automóvel), porém isso é tudo o que se sabe a respeito.
3. Cabine G-60
Logo após a partida do navio no porto de Southampton, é mostrado Jack e seu companheiro, Fabrizio, se alojando na cabine de número G-60, que no caso deveria ser ocupada por Sven e Olaf caso eles não tivessem perdido a aposta no jogo de poker. Acontece que essa cabine não existia no navio.
As cabines numeradas com a letra G ficavam na popa do navio (as cabines iam da G-1 até a G-41), e apenas famílias e mulheres sozinhas poderiam se alojar nelas, enquanto que os homens solteiros (que era o caso de Jack e Fabrizio) se alojavam na proa, em cabines numeradas sem a letra G.
O quarto de número 60 se localizava no convés E, dois conveses acima, e era uma das cabines de primeira classe que poderiam ser usadas também como de segunda, mas não de terceira.
4. Margaret "Molly" Brown
À esquerda - fotografia real da milionária Margaret Brown, 1909; à direita -
Brown sendo representada em Titanic por Kathy Bates, 1997.
Quando o navio desce suas âncoras em Cherbourg, embarca no Titanic Margaret Brown, uma peculiar passageira da primeira classe e uma das personagens do filme. Rose narra que ela e sua mãe a chamavam de "Molly", porém Brown só começou a ser chamada deste jeito após sua morte, em 1932, sendo este um apelido póstumo.
5. Passageiros no castelo de proa
Uma das cenas mais notórias e icônicas do filme (e do cinema) com certeza é a cena do "I'm the king of the world!", interpretada por Jack e Fabrizio bem na proa do navio. Porém essa cena nunca poderia acontecer na realidade, juntamente com a cena mais famosa de todo o filme - cuja fala "I'm flying, Jack!" interpretada por Kate Winslet é o ponto central - isso porque o acesso de boa parte do convés do castelo de proa do Titanic era proibido para passageiros a fim de impedir que eles acabassem se ferindo, afinal nesta parte do navio havia guindastes, âncoras, correntes e outras ferramentas pesadíssimas e perigosas.
A placa com os dizeres "AVISO: PASSAGEIROS NÃO SÃO PERMITIDOS A PARTIR DESSE PONTO" informava as pessoas a não ultrapassarem o quebra-mar.
Uma placa localizada no quebra-mar do navio avisava que o limite para passageiros era ali, portanto somente a tripulação tinha autorização para ultrapassá-lo.
6. Almoço no Palm Court
Acima, foto do Palm Court do Olympic; abaixo, o mesmo lugar
reproduzido no filme de James Cameron
Rose é mostrada almoçando junto com sua mãe Ruth, Margaret, Cal, Bruce Ismay e Thomas Andrews em uma mesa do Palm Court, uma cena totalmente improvável de ter acontecido em 1912.
O Palm Court era uma grande sala do estilo "café" localizada na popa do navio, aonde eram servidos somente lanches rápidos e refrescos aos passageiros da primeira classe. Quem quisesse uma refeição completa teria que ir em um dos outros três refeitórios do navio: o Salão de Jantar, o Restaurante A La Carte e o Café Parisiense.
Outra gafe relacionada a isso é o tamanho das mesas. No filme, a mesa em que o pessoal da Rose almoça é bem maior das que existiam no Palm Court do navio, como mostrado ao lado.
7. Jack vai para a primeira classe
As leis sanitárias da época eram extremamente rígidas, e proibiam a mistura de classes em embarcações, seja qual for a circunstância. Em hipótese alguma um passageiro de terceira classe, como o Jack, poderia passear pelo convés de passeio, comer no Salão de Jantar, e nem visitar cabines de primeira classe, nem mesmo convidado por um passageiro de lá.
8. O piano e os abajures
Durante a refeição no Salão de Jantar da primeira classe é visto em todas as mesas um abajur no centro das mesmas, um objeto que na realidade nunca existiu nestes locais. A foto ao lado é a única foto do Salão de Jantar do Titanic que se tem notícia, em pleno serviço da refeição. Veja que há poucos objetos decorativos nas mesas, e nenhum deles inclui um abajur.
No momento do jantar também é possível ver e ouvir os músicos tocando seus instrumentos, incluindo o piano do Salão, porém esse piano só foi usado uma vez, e foi durante a missa na manhã de 14 Abril.
9. Impedidos pelos portões
Elevador para uso da tripulação no Olympic, irmão-gêmeo do Titanic. Havia
também portões como esse nos três elevadores da primeira classe,
localizado atrás de um outro portão, para a segurança dos passageiros.
Sem dúvida um dos maiores mitos que o filme de Cameron ajudou a espalhar é o de que os passageiros da terceira classe ficaram presos dentro do navio por inúmeros portões pantográficos trancados. O fato é que esses portões nunca existiram em tamanha quantidade no navio.
Pelas rígidas leis sanitárias da época, havia áreas bem separadas entre as terceira, segunda e primeira classes, mas essas separações dentro do navio eram feitas por paredes e portas que somente a tripulação poderia abrir, não com os portões que o filme "Titanic" mostra abundantemente.
Na realidade os únicos portões pantográficos existentes no navio ficavam nas áreas de acesso da tripulação (onde não havia tráfego de passageiros) e nos elevadores do navio, como mostrado na imagem acima.
As causas da morte de grande maioria dos passageiros da terceira classe foram a distância de onde se encontravam até o convés dos botes (muitos passageiros ficavam a mais de 7 conveses abaixo) e a falta de assistência da tripulação, além de que muitos deles eram imigrantes que não conheciam a língua inglesa, assim não conseguindo entender o que estava acontecendo no momento e não entendendo as instruções que lhe eram passadas.
10. "Desça o elevador até o final e vire à esquerda"
Quando Rose encontra Andrews e o pede instruções para chegar onde Jack está preso, ele a diz que é necessário pegar o elevador e descer até o Convés E e virar a esquerda, onde fica a passagem da tripulação. Acontece que se a Rose virasse à esquerda no navio real ela daria de cara com uma grande parede.
A imagem da esquerda faz parte do filme "Titanic", e a da direita faz parte do projeto "Titanic Honor and Glory", representando fielmente esta área do navio. Perceba que na realidade havia uma parede à esquerda dos elevadores, ao invés de um grande corredor, como mostra o filme.
Se não houvesse essa parede, os elevadores dariam acesso direto a "Scotland Road", um grande corredor de acesso da tripulação que ligava os dois extremos (popa e proa) do navio. Para acessá-lo, era preciso descer a grande escadaria da primeira classe e abrir uma porta de emergência à direita dela. O corredor também dava acesso ao salão de jantar da terceira classe.
11. Entre a terceira e quarta chaminés
Com certeza uma das cenas mais emocionantes do filme é a qual o Titanic é mostrado partindo-se em dois e desabando em cima de centenas de pessoas que lutavam para sobreviver na água congelante. Embora a cena represente um momento real, ao que tudo indica o navio partiu-se entre a segunda e a terceira chaminés enquanto afundava, não entre a terceira e a quarta como mostra o filme.
O mapa dos destroços no fundo do oceano deixa evidente que o navio foi separado bem na metade de seu comprimento durante o naufrágio:
O mapa dos destroços da proa explicitam que o navio se partiu em dois logo
após a segunda chaminé, não após a terceira.
Em 2012 dois documentários (100 Anos de Titanic por James Cameron, da National Geographic,e Titanic: Mistério Resolvido, do The History Channel) apresentaram em seus conteúdos simulações mais atuais do naufrágio, dessa vez mostrando o Titanic se partindo entre a segunda e a terceira chaminés. Veja-as (em inglês):